Reunindo 100 famílias da Zona Leste de São Paulo, a Associação de Construção Comunitária Paulo Freire foi fundada em 1988 por meio do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra Leste 1 (MST Leste 1), vinculado à União dos Movimentos de Moradia (UMM). Depois de um longo e árduo processo – que incluiu manifestações, ocupações e diversas rodadas de negociação com a Prefeitura de São Paulo –, em 1999 a Associação finalmente conquistou um lote onde pudesse produzir moradias por meio de muitrão e autogestão.
O terreno inicialmente destinado à Associação Paulo Freire – relativamente pequeno e bastante íngreme – integrava o Conjunto Inácio Monteiro, no bairro de Cidade Tiradentes (Zona Leste de São Paulo). Este conjunto havia sido planejado para comportar aproximadamente duas mil unidades habitacionais e era destinado ao reassentamento de populações removidas por obras públicas. Dessa forma, combinava edifícios com padrão típico de grandes conjuntos habitacionais executados por grandes empreiteiras – conforme uma certa tradição inaugurada com os conjuntos financiados pelo BNH –, e o loteamento para a construção de unidades isoladas. Pouco diferia da paisagem de Cidade Tiradentes. Pobre em arquitetura e pobre em urbanidade. Por omissão do poder público local, o terreno já estava parcialmente ocupado por loteamentos clandestinos e ocupações que se expandiam rapidamente. Diante disso, a Prefeitura acabou destinando outro terreno – próximo ao primeiro, embora menor e muito mais íngreme – à Associação. Ainda assim, foi necessário pactuar um acordo de respeito mútuo com lideranças das ocupações do entorno. Garantir o direito de escolha do projeto configurou-se como uma nova e difícil etapa da luta para garantir a autogestão no Mutirão Paulo Freire. A prefeitura já contava com um projeto para a área conquistada pelo movimento, que previa a construção de 100 apartamentos de 42m² de área construída no padrão Cingapura, com metade deles voltados para face sul. Nesse contexto, a USINA – que prestava assessoria técnica à Associação desde que esta se constituiu – foi colocada diante de um grande desafio: desenvolver, para uma área exígua, um projeto de 100 unidades habitacionais – com um padrão melhor que o oferecido pela Prefeitura, orientação adequada e áreas de uso coletivo. Por meio de um processo participativo desenvolvido junto aos futuros moradores, chegou-se a um programa de necessidades que incluía áreas verdes e um centro comunitário. Contemplando diferentes configurações familiares, foram pensadas quatro tipologias distintas, com área de aproximadamente 56m². Um outro ponto importante do projeto – e um dos aspectos mais marcantes do Mutirão Paulo Freire – foi a adoção da estrutura metálica em todo o conjunto edificado. A escolha desse sistema construtivo se deve ao desafio de equacionar no projeto a adoção de plantas maiores que o padrão, garantindo, ao mesmo tempo, espaços de uso coletivo e orientação solar adequada num terreno de dimensões exíguas. Ao facilitar grandes vãos, a estrutura metálica permitiu uma solução em que alguns apartamentos ficam suspensos do solo – liberando área nos térreos e diminuindo o sombreamento. Além disso, a estrutura metálica também permitiu um maior adensamento do conjunto, de forma que alguns edifícios chegam a contar com sete pavimentos – com acesso pelo terceiro pavimento. O emprego de uma estrutura independente em relação às paredes internas abriu a possibilidade da "planta-livre" e, dentro de alguns limites, cada família pôde configurar os ambientes dos apartamentos de acordo com suas necessidades e preferências, como sala e cozinha maiores ou sala e cozinha integradas. O processo de construção por mutirão também foi beneficiado por esta escolha. Com a pré-fabricação da estrutura, foi possível agilizar o tempo de obra, facilitar a execução das etapas posteriores e diminuir e otimizar o trabalho mutirante, na medida em que a estrutura metálica, além de servir como referência de prumo, esquadro e nível, também facilitava o transporte vertical de materiais e a circulação dos trabalhadores – tornando mais seguro o trabalho dos mutirantes e trabalhadores contratados. Se o uso de estrutura metálica na construção civil não era uma novidade, seu uso na provisão de habitação popular produzida pelos movimentos sociais organizados certamente significou uma quebra de paradigmas. No Mutirão Paulo Freire ocorre uma radicalização do procedimento de uso dessa tecnologia em função do processo produtivo e da auto-organização do trabalho daqueles que, em certa medida, buscavam atender suas próprias necessidades de moradia. Embora a adoção desta solução não fosse uma novidade para a USINA, uma vez que a Assessoria já havia desenvolvido projetos em estrutura metálica para a Companhia Urbanizadora da Prefeitura de Belo Horizonte (URBEL) –, o Paulo Freire foi o primeiro canteiro autogerido a adotar tal solução no Brasil – o que significou uma quebra de paradigma. Esse caráter pioneiro fez com que o projeto do Mutirão Paulo Freire enfrentasse muitos obstáculos para obter a aprovação junto à COHAB e ao Corpo de Bombeiros. Com isso, as obras tiveram início apenas em setembro de 2003. Posteriormente, o processo foi interrompido diversas vezes por conta de atrasos na liberação de recursos por parte Prefeitura de São Paulo – sobretudo durante as gestões Serra/Kassab (2005-2013) que nunca tiveram entre suas prioridades a produção habitacional por mutirão autogerido. Sob ponto de vista produtivo, o projeto de arquitetura do Mutirão Paulo Freire é fruto de um longo processo de trabalho desenvolvido pela USINA que teve como marcos importantes a adoção dos blocos cerâmicos estruturais – no Mutirão Cazuza – e das escadas metálicas – no COPROMO, União da Juta e Juta Nova Esperança; bem como os projetos desenvolvidos para a URBEL – Companhia Urbanizadora da Prefeitura de Belo Horizonte –, como parte da urbanização da Favela de Senhor dos Passos e outros assentamentos precários, que embora não se destinassem a serem produzidos por mutirão, foram desenhados integralmente em estrutura metálica. Depois de muitos percalços, o processo foi finalmente concluído em novembro de 2010. A inauguração do Mutirão Paulo Freire foi marcada por uma grande festa realizada pela Associação e pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra Leste 1. Danilo Eric participou diretamente da redação deste texto. INDICAÇÕES DE LEITURA Mutirão Paulo Freire: movimento popular, arquitetura e pedagogia da práxis Entrevistas com cinco mutirantes da Associação Paulo Freire |
local
Cidade Tiradentes, São Paulo – SP linha do tempo
agente organizador Associação Paulo Freire, filiada à ST Leste 1, por sua vez vinculada à União dos Movimentos de Moradia – UMM agente financiador Prefeitura Municipal de São Paulo, através do Programa de Mutirões Autogeridos da COHAB atividades desenvolvidas pela usina
escopo do projeto Projeto de arquitetura, urbanismo, paisagismo, fundações, estrutura e infraestrutura para a implantação de cinco edifícios, com cinco tipologias diferentes. equipe
principais interlocutores
tipo de canteiro Mutirão autogerido com mão-de-obra assalariada complementar técnicas construtivas Estrutura e escadas metálicas com vedação em alvenaria de blocos cerâmicos famílias 100 |